Maria Ângela Ramos, da redação da Folha
A ação de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público de Piraju contra o prefeito José Maria Costa e à época o diretor administrativo Paulo Sara encerra-se de uma forma coerente e justa pelo Tribunal de Justiça de SP em sentença proferida pelo Juiz de Direito Dr. LUCAS DADALTO SAHÃO julgando improcedentes os pedidos, com resolução do mérito, sem condenação em sucumbência e com sentença não sujeita ao reexame necessário, ou seja arquivando o processo.
Respeitando-se o zelo da promotoria, que defende os interesses da sociedade, mas a sentença do Tribunal de Justiça colocou fim a um cenário que não possuía qualquer característica de desonestidade, visto que a Improbidade Administrativa precisa trazer "um ato como a conduta dolosa do agente público devidamente tipificada em lei, cuja finalidade é a obtenção de proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. Improbidade significaria má qualidade, imoralidade, desonestidade. A improbidade é ilegalidade qualificada".
Desde o início dessa ação se sabia que não havia nenhuma qualificação de improbidade, o que ficou evidente nas colocações do Tribunal de Justiça.
Seguem alguns trechos significativos da sentença proferida relatando partes do processo:
"Colhe-se do depoimento de Evandro Maciel Rodrigues, motorista
que realizou a viagem rumo ao concurso, que o micro-ônibus estava afetado ao Departamento de
Saúde, mas também era utilizado pelas pastas de esporte e de turismo da edilidade, prestando-se ao transporte de atletas da canoagem e da ginástica rítmica, dentre outros. Quando não estava servindo ao transporte de pacientes como no caso concreto -, o veículo era utilizado por outros
setores da administração. Essa circunstância, aliás, era de conhecimento da mãe de Natália
Camargo Souza da Silva (Miss Piraju), Elsa Cristina de Camargo Oliveira Souza, que afirmou ter
procurado a Prefeitura à guisa de conseguir o transporte para o concurso.
Diversamente do alegado pelo Parquet, dos depoimentos não se
infere que o veículo era/foi utilizado para fins particulares do agente público que autorizou a sua cessão, mas, antes, tendo como pano de fundo a consecução de interesses da coletividade. Na hipótese em apreço, se é verdade que o micro-ônibus transportou a família e a torcida da Miss Piraju, é igualmente certo que esta representava e promovia a Cidade, pequena estância turística
do interior, em concurso de abrangência estadual, e o número de pessoas presentes no evento importava na pontuação do certame. Os relatos de Natália Camargo Souza da Silva (Miss Piraju) e de Leandro Gomes Fonseca (Diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura), notadamente, apontam nessa direção. Vale dizer: ainda que indiretamente, ao representar Piraju na competição, a Miss divulgava o nome do Município, galvanizando, potencialmente, o turismo e a economia locais.
A ausência de interesse privado de Paulo Sara e de concerto para
favorecer Natália, enquanto pessoa física, restou patente no relato dela. Com efeito, indagada por mim, Natália revelou que nem ela, nem seus familiares, entretinham qualquer relação pessoal e anterior com Paulo Sara. Disse que o pedido de utilização do micro-ônibus foi dirigido ao último na condição de Diretor do Município. Não houve, por assim dizer, móvel particular escuso na cessão do veículo municipal.
Resta a filigrana de não ter sido instaurado prévio procedimento
administrativo para autorização do uso do veículo. Não se descura a preterição da formalidade legal. A cessão padeceu da boa técnica de que deve comumente se valer um agente político. Sucede que não houve prejuízo algum ao erário municipal o diminuto dano apurado, de R$ 242,46, foi ressarcido pelo Diretor após sindicância administrativa -, e não há qualquer ressaibo de que o agente pretendia lesar o Município para obter vantagens materiais indevidas e/ou
carrear prejuízos ao patrimônio público.
Improbidade não é sinônimo de mera ilegalidade administrativa,
mas de ilegalidade qualificada pela imoralidade, pela má-fé, pela falta de probidade no
desempenho da função pública. Não é de se imputar aos atos oriundos da inabilidade do
administrador, desvestidos de desonestidade, a pecha de ímprobos, sob o risco de se incorrer em
condenação injusta e desafinada (...)"
Mais adiante, diz ainda o juiz do Tribunal de Justiça : "Se a atuação de Paulo Sara não chegou às raias de improbidade, com maior razão, a conduta de José Maria Costa, Prefeito Municipal, não pode ser assim tachada. Com efeito, José Maria determinou a abertura da Sindicância Administrativa nº 01/2019 para apurar a autorização de uso do bem público (fl. 351) e, ao cabo, albergando a conclusão do
relatório da comissão (fls. 392/395), ordenou a reparação do dano ao erário pelo agente público
autorizador (fl. 397), o que efetivamente ocorreu (fls. 407/408). Conquanto não tenha contemplado
a recomendação administrativa expedida no bojo de inquérito civil para que, no prazo de 48
(quarenta e oito) horas, exonerasse o Diretor Administrativo, não obrou de forma ímproba, com
o desiderato de afrontar a legislação municipal. Como bem pontuou a Procuradoria-Geral de
Justiça ao promover o arquivamento do procedimento investigatório instaurado em desfavor do
Chefe do Poder Executivo em torno dos fatos objeto da presente demanda arquivamento
homologado definitivamente pela 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (fls.
871/882) -, “(...) o investigado se pautou de acordo com a interpretação que fez da legislação e do
seu entendimento quanto à gravidade da conduta praticada pelo seu funcionário comissionado,
tendo o respaldo da comissão que conduziu a sindicância. A postura do alcaide não se mostrou
desarrazoada, a demonstrar que agiu com dolo, com vontade de descumprir a Lei Complementar
Municipal nº 170/18, pelo contrário, justificou fundamentadamente a não subsunção da legislação
municipal ao caso concreto” (fl. 869).
A compreensão aqui perfilhada tem reforço na atual dicção do art.
22, § 1º, da LINDB, na redação conferida pela Lei nº 13.655/2018, ao prescrever que “em decisão
sobre a regularidade de conduta (...), serão consideradas as circunstâncias práticas que
houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente”. Equívocos formais (até
orçamentários), dúvidas de interpretação, falhas de gestão administrativa e de classificação
podem, de fato, indicar irregularidades, mas daí não se pode inferir automaticamente a ocorrência
de ato ímprobo.
Enfim, a configuração de ato ímprobo reclama, necessariamente, a
demonstração do elemento subjetivo do envolvido, traduzido, segundo a nova roupagem conferida
pela Lei nº 14.230/2021, e na compreensão recentemente encampada pelo Supremo Tribunal
Federal, tão somente no dolo específico, '(...) inexistindo, portanto, a modalidade culposa de improbidade, ainda que a culpa seja “grave” ou o erro seja “grosseiro” (Neves, Daniel Amorim,A. e Rafael Carvalho Rezende Oliveira, op. cit., p. 5)".
Diz o juiz Dr LUCAS DADALTO SAHÃO em sua setença: "Não vislumbro na atuação dos réus desonestidade ou dolo, isto é, a manifesta intenção de vulnerar qualquer preceito legal ou constitucional, nem sequer o intento de obter vantagens materiais indevidas e/ou gerar prejuízos ao patrimônio público, elementos coessenciais para a configuração de improbidade administrativa".
O Juiz citou também casos análogos de sentenças proferidas pelo TJ.
veja link com íntegra da setença