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O vazio do salto por José Carlos Santos Peres

Postado à, 1168 dias atrás | 4 minutos de leitura

O vazio do salto por José Carlos Santos Peres
Do alto, a linha do horizonte costurando distâncias... Donde a terra batida do campinho onde a molecada da rua da Esquerda desafiava a da Direita? Mais ao longe, a escola que o tirava da cama para aprender com quantos pares de cromossomos somos.
Demora-se à praça de pombos e pedintes, onde hoje se troca bicicleta sem guidão por relógio sem ponteiros. Antes, meninas de pernas insinuadas insinuavam-se, ao cair da noite com retretas, queijadinhas e algodão-doce. 
Daquele alto ele questiona o vazio... Alguém lá embaixo estaria a dizer: tem chifre na parada. É o que ele pensa vendo o amontoado se fortalecer com velhos carregando guarda-chuvas, vendedores de bilhetes, cães e gatos pingados.
A moça do Salão de Beleza abre o leque da angústia à colega saída da chapinha: ficamos, numa madrugada de Wanderley Cardoso no toca-fitas de um Chevette, atrás do hangar. 
O tempo passa, como passam as nuvens, quase tocadas pelos seus braços bêbados... Ele não demonstra pressa. A roda vai se revezando: alguns retornam da padaria da esquina com mais uma Skol: ainda não?
O representante de indústria farmacêutica estou indo que tenho consultórios para fazer. No que foi acompanhado pelo carteiro, com a sacola de correspondências tendo de ser esvaziada ainda naquela tarde.
Então ele desenha a senha na cara do celular. Ah, no alto a Vivo pega que é uma beleza... Depois de dias sem captar sinais, a página do Facebook se abre. Há interação do homem com o mundo que lhe dá a sensação de pertencimento. 
Sem pressa, consulta as últimas postagens; libera um coração com um laço à vizinha peituda e diz que sim: votaria naquele seu político de estimação; tira uma selfie, em perfil, com a caixa d`agua do prédio se agigantando ao fundo.
Até que, enfim, parece tomar a última decisão: caminha, com passos firmes, até a beiradinha da laje. Vasculha a imensidão mais uma vez, ajustando o celular no bolso traseiro da calça. 
Uma sirene anuncia urgência...
Então, levanta os braços como a abraçar os presentes, antes de alcançar a escadinha de acesso ao local e iniciar a descida, com todo cuidado, sabendo que uma queda daquela altura poderia colocar fim à sua vida.
No chão, entre aplausos e vaias, decreta: a vida é fake!
No lusco-fusco do dia o Chevette tubarão amarelo pega de primeira; a velha fita cassete rola no roadstar: “eu nunca pensei/ Quem eu tanto amei/Fosse assim me desprezar/ Mas o mundo é grande/Vou não sei prá onde/Alguém há de me amar...//
Tudo se desfaz... de repente, o vazio, o silêncio. Resta a moça do hangar na calçada a observar uma andorinha picotando de azul o espaço até alcançar o alto daquela caixa de onde é possível alcançar a linha do horizonte costurando distâncias.

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