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O tabu do suicídio, por Ricardo Castilho

Postado à, 116 dias atrás | 4 minutos de leitura

O tabu do suicídio, por Ricardo Castilho
É mais fácil desintegrar um átomo
 do que um preconceito. (Albert Einstein)
 
Ricardo Castilho*
Conta-se que Ícaro, quando fugiu do labirinto do Minotauro com asas de penas de pássaros feitas por Dédalo, foi orientado para não voar acima de determinado limite. Mas, fascinado com seus poderes, ignorou as recomendações do pai, acreditando que poderia chegar até o sol. As asas, moldadas com cera de abelhas, derreteram-se à medida que Ícaro subia. Ele caiu e morreu afogado no mar Egeu. 
Resgato essa lenda da mitologia grega para propor uma reflexão: de que labirinto tentam fugir os jovens de hoje, como o “influenciador” PC Siqueira, que desafiou o sagrado direito à vida quando escolheu a morte por enforcamento, dois dias depois do Natal? No mês do Setembro Amarelo, abordei o tema, não na pele de entendedor da alma humana, mas como estudioso do campo jurídico, e cravei – ainda antes da conclusão do inquérito policial – que a ex-atleta Walewska Oliveira fora ao mesmo tempo vítima e protagonista de tão insólita decisão.
Renunciar à vida de forma assim tão drástica pode ser um ato inconsciente, como na tragédia de Ícaro, ou premeditado, quando o autor dá todas as pistas – que quase sempre não vemos ou não sabemos identificar. Foi o caso de Walewska, e agora do you tuber. Parece tristemente simbólico que ele tenha escolhido justamente esse período do ano para pôr em prática seu plano macabro, como se estivesse querendo subliminarmente imputar às testemunhas do seu “gesto de coragem” uma parcela de culpa: “Olha o que vocês me obrigaram a fazer”. 
A decisão de atentar contra a própria vida é o mais privado e indecifrável dos atos humanos, de foro íntimo que vai além dos conceitos morais e da ética. O seu ápice se dá quando o protagonista está convicto de que pode desafiar e vencer todos os limites do conhecimento humano. Não será exagero incluir nesse rol de motivações a tal lei do “se dirigir, não beba”; Afinal, resta cientificamente comprovado que um dos efeitos da bebida alcoólica em excesso é a limitação dos reflexos, situação em que, ao volante, o condutor assume o risco de perder a própria vida e levar consigo pessoas inocentes. (Dados de 2021 registram que, no Brasil, cerca de 11 mil pessoas morreram em acidentes provocados por motoristas embriagados.)
Triste admitir que o suicídio continue sendo um tabu, especialmente nas sociedades conservadoras em que a religião funciona como caixa de ressonância, para o bem ou para o mal, no cotidiano da família tradicional. No contraponto desse contexto, há que se considerar os efeitos que as redes sociais produzem como agente catalizador dos anseios dos jovens e adolescentes que buscam a porta de saída do labirinto em que vivem. Esta faixa etária é o principal foco das campanhas de prevenção que, como já grifei em artigo anterior, são importantes mas não têm sido suficientes para frear os atuais índices de mortalidade. Nesse quesito, o Brasil que voltou a respirar os ares da democracia, merece e precisa de políticas mais agressivas. Que seja assim em 2024.
* Ricardo Castilho é jurista e escritor, pós-doutor pela USP e Universidade Federal de Santa Catarina. É diretor acadêmico da Escola Paulista de Direito.