Reportagem local da Folha (com Cristiano Amorim)
O juiz da 94ª Zona Eleitoral de Piraju, Acauã Müller Ferreira Tirapani, concordou com a recomendação do Ministério Público Eleitoral e proferiu neste domingo (11) decisão confirmando as impugnações dos registros de candidaturas do prefeito José Maria Costa e do vice Carlos Alberto Camargo Lima para as eleições de 2020. Com base na sentença do juiz eleitoral, eles estão por hora impedidos de disputar as eleições embora possam recorrer no TRE. Tanto Costa como Carlinhos fizeram “doação em campanha eleitoral acima do limite legal”.
“... O que interessa aqui", disse o juíz, "é que a inelegibilidade constitui na garantia de igualdade de oportunidade entre todos os candidatos a fim de obstar a capacidade eleitoral passiva daqueles que pratiquem fatos ilícitos e quebram a normalidade e a legitimidade das eleições, ou seja, violam os valores do Estado Democrático de Direito. In casu, o impugnado está incurso na inelegibilidade por doação ilícita realizada na campanha de 2016, prevista no Art. 1º, I, p, da Lei Complementar nº 64/90.
O prefeito José Maria conversou informalmente com a editora da Folha de Piraju, Maria Ângela, no início da tarde deste domingo, pouco antes da noticia ser veiculada e comentou que o que ocorreu foi uma orientação errada de quem cuidou da sua prestação de contas que acabou resultando na situação. Na ocasião ele ainda não sabia da decisão do juíz de Piraju.
Veja a setença do juiz :
"Passo logo a decidir.
A fim de evitar quaisquer mal-entendidos, no que concerne à inelegibilidade, é importante esclarecer que referido instituto não constitui ausência de elegibilidade, mas tão somente é causa impeditiva dela, portanto, impede o pretenso candidato de participar das eleições, cuja aferição somente será analisada quando houver pedido de registro, conforme determina o art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97 (com alteração da Lei nº 12.034/2009):
“As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade”.
Por conseguinte, a inelegibilidade não constitui sanção, mas um requisito estabelecido pela legislação; assim, possui natureza jurídica de “requisito negativo de adequação do indivíduo ao regime jurídico do processo eleitoral” (STF ARE 1180658 - 10/09/2019).
Frise-se que apenas a capacidade eleitoral passiva, ou seja, o direito de ser votado fica temporariamente obstado.
Nesse ínterim, é importante frisar que o candidato considerado inelegível possui todos os elementos da cidadania, tais como: o direito ao voto, ao referendo, ao plebiscito e a iniciativa popular.
É de bom alvitre ainda esclarecer que o candidato inelegível pode filiar-se ou manter-se filiado, porque está em pleno gozo de seus direitos políticos, inclusive obtém certidão de quitação da Justiça Eleitoral.
Com efeito, o fundamento que estabelece a inelegibilidade e que afeta tão só a capacidade eleitoral passiva, protege importantíssimos pilares constitucionais do art. 14, § 9º, da Constituição da República: a proteção da probidade administrativa e da moralidade para o exercício de cargo eletivo, considerada a vida pregressa e da normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do abuso do poder econômico ou do abuso do exercício de cargo e função pública.
O que interessa aqui é que a inelegibilidade constitui na garantia de igualdade de oportunidade entre todos os candidatos a fim de obstar a capacidade eleitoral passiva daqueles que pratiquem fatos ilícitos e quebram a normalidade e a legitimidade das eleições, ou seja, violam os valores do Estado Democrático de Direito.
In casu, o impugnado está incurso na inelegibilidade por doação ilícita realizada na campanha de 2016, prevista no Art. 1º, I, p, da Lei Complementar nº 64/90.
Frise-se, não se trata de abuso do poder econômico previsto no art. 30-A, da Lei 9.504/97, mas da aferição do disposto em lei complementar acima referenciado.
Sobre a matéria ensina José Jairo Gomes, em Direito Eleitoral, p. 451:
Na apreciação da inelegibilidade não é preciso perquirir acerca da existência de dolo ou má-fé na conduta do doador; é irrelevante discutir-se a espécie de doação efetuada, se em dinheiro, bens ou serviços. Ademais, o comando normativo da alínea p exige “que haja ‘decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral’ [...]” (TSE – AgR-REspe no 26.124/SP – PSS 13-11-2012).
Com efeito, quando do julgamento do recurso em que se discutia a doação ilícita, determinou o Egrégio Tribunal Eleitoral de São Paulo à anotação de inelegibilidade no cadastro do impugnado, como forma de que seja analisada quando de eventual pedido de registro.
A decisão foi proferida, por maioria, como manifestou a defesa, pelo órgão colegiado daquela Corte e teve como desfecho o improvimento de seu recurso na representação que manteve a multa eleitoral imposta por este juízo.
Esclareço que o afastamento, a priori, da inelegibilidade quando do julgamento da representação no processo físico nº 149-80.2017.6.26.0094, em primeira instância, proposta contra o impugnado, na análise da doação acima dos parâmetros estabelecidos em lei, deu-se porque o objeto daquela demanda era tão somente a aplicação da lei ordinária nº 9.504/97, no seu art. 23, não obstante seguido o rito estabelecido pela LC 64/90 para que, na representação, seja plausível aferição da inelegibilidade como de fato estamos perquirindo.
Por conseguinte, tem-se pacífico o entendimento sufragado pelo E. TSE, sobre essa questão:
“1. A inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea p, da Lei Complementar no 64/1990 não é sanção imposta na decisão judicial que condena o doador a pagar multa por doação acima do limite legal (art. 23 da Lei nº 9.504/1997), mas possível efeito secundário da condenação, verificável se e quando o cidadão se apresentar como postulante a determinado cargo eletivo, desde que presentes os requisitos exigidos. [...]” (TSE – REspe no 22.991/TO – DJe 4-8-2014). grifei
Sobre o tema, tem-se que entendimento atual da maioria do E. TSE mitiga a aplicação do instituto e impõe a inelegibilidade somente quando a doação afetar a legitimidade e a normalidade das eleições. Essa conclusão parecer ser lógica porque há casos em que mero erro contábil pode ser relevado
A inelegibilidade, portanto, aplicar-se-á quando da comprovação de que os numerários doados afetaram a igualdade de condições entre os candidatos, como destaca a defesa.
Assim, tem-se que, no caso dos autos, a análise restringe-se a este aspecto.
Realmente os dispêndios da campanha fizeram a diferença no caso dos autos, daí porque é analisada quando de eventual pedido de registro de candidatura.
Veja-se, num eleitorado com cerca de 23.418 eleitores como no município de Piraju/SP, cinco candidatos disputando o cargo de prefeito, o importe doado no valor de R$30.628,06, em meu juízo, constitui soma considerada, em valores absolutos, e possui o condão de desequilibrar o pleito até mesmo porque a diferença de votos entre os dois primeiros candidatos foi ínfima, conforme tabela trazida pela defesa e acostada na impugnação ministerial (totalização).
Ademais, o impugnado venceu o pleito de 2016 com 33,99% dos votos, num universo de 15.548 eleitores, enquanto que o segundo, ficou muito próximo, com 28,56%.
A doação tida por ilícita, efetivamente, desequilibrou o prélio eleitoral e representou quantia significativa pela diferença supramencionada.
Não procede, também, às alegações outras formuladas tanto pelos impugnantes, quanto pela defesa, tendo em vista que sob minha ótica, não seria lícito, em sede de registro de candidatura, rediscutir decisão proferida em processo anterior da qual o impugnado fez parte, embora as contas do impugnado foram julgadas regulares porque foi identificada a origem dos recursos.
O fato é objetivo e deve ser aferido concretamente como mencionamos alhures.
Vale destacar, portanto, que o ordenamento jurídico eleitoral traz, de forma inequívoca, aqueles que são inelegíveis, sendo regra que qualquer cidadão pode pretender investidura em cargo eletivo, respeitadas as condições constitucionais e legais de elegibilidade e de incompatibilidade, desde que não incida em quaisquer das causas de inelegibilidade, conforme preceitua o art. 11, da Resolução TSE nº 23.609/19:
Art. 11. São inelegíveis:
I - os inalistáveis e os analfabetos (Constituição Federal, art. 14, § 4º);
II - no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do presidente da República, de governador de Estado ou do Distrito Federal, de prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos 6 (seis) meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição (Constituição Federal, art. 14, § 7º);
III - os que se enquadrarem nas hipóteses previstas na Lei Complementar nº 64/1990. (grifei)
Por fim, esclareço que apenas em situações excepcionais, descritas pelo legislador constituinte, em numerus clausus, é que a Lei Maior admite que alguém seja privado de um de seus mais importantes direitos fundamentais: o político.
Com essas considerações e com apoio nos fatos e fundamentos jurídicos aduzidos, JULGO PROCEDENTE às pretensões deduzidas nas Impugnações propostas pelos autores: Ministério Público Eleitoral, Talita Juliana Freitas do Nascimento e Kleber Aparecido Paulino e, por conseguinte, INDEFIRO o requerimento de registro de candidatura do candidato ao cargo de Prefeito do Município de Piraju/SP, JOSÉ MARIA COSTA, declarando-o INAPTO, ante a incidência deste na causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “p”, da Lei Complementar nº 64/90, em decorrência da condenação por doação acima do limite legal, nas eleições municipais de 2016, confirmada pelo órgão colegiado do E. Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.
Poderá o candidato, por sua conta e risco, efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob a condição sub judice. (Art. 51, da Resolução TSE nº 23.609/19).
Datado e assinado eletronicamente.
ACAUÃ MÜLLER FERREIRA TIRAPANI
JUIZ ELEITORAL"