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A RADIAÇÃO DE PIRAJU, POR CARLINHOS BARREIROS/ ESPECIAL

Postado à, 409 dias atrás | 8 minutos de leitura

A RADIAÇÃO DE PIRAJU,  POR CARLINHOS BARREIROS/ ESPECIAL
Nos Anos 60 do século passado, uma distribuidora de som fazia sucesso em Piraju: era A Radiação, pequeno estúdio de som que funcionava na rua Cel. Joaquim Teotônio de Araújo, naquele prédio em frente da prefeitura, em seu último porão, minúsculo. Tocada por uma molecada que gostava de som e sem lucros aparentes, a Radiação marcou época, nos três lugares em que funcionou. 
Trabalhei lá, em seu primeiro local. Nos outros dois, não. 
Era técnico de som: rodava os discos. Em frente a mim havia a cabine do locutor, que fazia uns poucos comerciais e dedicava músicas que os casais apaixonados partilhavam em pleno ar: “... para você, adorada Arabela, com votos de amor eterno de seu amado Afrânio...” 
E todo mundo no jardim (praça Ataliba Leonel) ouvia as confissões apaixonadas do tal de Afrânio. Ou Nestor. Ou Roberto, já que os alto-falantes da Radiação, espalhados por vários lugares estratégicos, eram bastante possantes.  Esse era o tempo em que, dentro da praça, ao redor do velho coreto, os homens rodavam de um lado e as mulheres do outro, num eterno flerte. 
Do lado de fora, nas beiradas, só gente que “não prestava”: pipoqueiros, maloqueiros, bêbados e as onipresentes biscates. Isso todo santo dia, de segunda a segunda. 
A radiação funcionava da seguinte maneira: todo dia eu descia às 18 horas (morava na mesma rua) e botava pra rodar e tocar a Ave Maria, para toda a praça ouvir. Hora do Angelus. Depois, às sete, se iniciavam as sessões da noite que iam até as dez. Daí a Radiação fechava. Às sete tocava a abertura: “The Yellow Rose of Texas”, música orquestrada e escolhida para a ocasião pelo Dito Barone. Acho até que o disco era dele. Estes eram bolachas pretas de cera de carnaúba, com uma música de cada lado (os fatídicos 78 rotações) e se quebravam com facilidade. Tinha também os LPs, com 8 ou 12 músicas, que vinham numa capa com a cara do artista estampada e eram inquebráveis (na teoria). As agulhas para se tocar os discos de 78 eram verdadeiros pregos afiados: imaginem a chiadeira. Mas ninguém ligava não. Eu mesmo levei vários de meus discos para tocar na radiação: “Diana”, com o Paul Anka. Ou “Little Darling”, com a Lana Bittencourt. Quem sabe “Oh! Carol!” com o Neil Sedaka. 
Como todo lugar público, a Radiação vivia cheia de “sapos”, espremidos num pequeno espaço. Me lembro que Rono e Roberto Ribas viviam por lá, pedindo música ou levando seus discos para tocar: o acervo do local era risível. Muita gente passava por lá e os locutores mudavam com frequência. Durante todo o tempo em que lá trabalhei nunca soube quem era o dono ou quem lucrava  com aquilo. Anos depois, com a inauguração da Rádio Piratininga, a Radiação finalmente fechou suas portas. Mas não sem antes trocar de lugar.
Da rua Cel. Joaquim Teotônio de Araújo o estúdio foi funcionar debaixo do antigo coreto da praça – onde a banda municipal se apresentava – num espaço um pouco maior que o anterior. Ao que me lembre, lá ficou por muito pouco tempo. A última mudança - e definitiva - se deu para o porão da casa da Marlene Ribas (na época), descendo o casarão dos Maluly, sempre na praça. 
A essa altura, a Hora do Angelus já tinha desaparecido fazia muito tempo, as agulhas dos toca-discos eram de diamante e já existia o saudoso CD. 
“A Rosa Amarela do Texas”, sugestão do Dito Barone para abrir os trabalhos da noite também já havia fenecido faz tempo. 
Afrânios, Arabelas e Robertos, agora casados, já não tinham mais tempo para as tolices do coração, essas coisas efêmeras. Pena.
Dessa último localização da Radiação, só me lembro de um escândalo: Nirto Macaco, sempre antenado e em dia, trouxe de São Paulo e levou para tocar o hit “Je T´Aime ... Moi Non Plus”, em que a dupla de artistas franceses Serge Gainsbourg e Jane Birkin (casados entre si na ocasião) simulam um ato sexual em estúdio, com gemidos pra lá de sugestivos. 
Não deu outra: explosão de moralismo, bem à moda de Piraju: o próprio padre da cidade em pessoa bateu às portas da Radiação, exigindo “decoro” e o banimento definitivo da safada canção francesa! Claro que ninguém ligou para os brios ofendidos do pároco e o disco do Macaco continuou tocando até a exaustão.
Mas a essa altura eu já estava trabalhando na recém-inaugurada Rádio Piratininga, ainda na técnica de som, com  meu amigo Toninho Gaudensi na locução. Mas o que foi a rádio comparada aos anos dourados da Radiação ?
Lhes respondo: simplesmente nada! 
PS: obrigado João Dias por sugerir esse tema a mim na fila da caixa do Nicolau Max. Acabou rendendo um belo discurso e boas reminiscências, eu acho. 
 
Ouça as músicas 
 

 

Quem é Carlinhos Barreiros
• O autor é professor, jornalista e escritor. Atuou em Piraju nos jornais “Folha de Piraju”,  “observador” e
“Jornal da Cidade” sempre como cronista ou crítico
de cinema/literatura. Publicou o livro de contos “Insânia: O lado Escuro da
Lua” (esgotado). Em 2006  foi o primeiro colocado no Concurso de Poesias,
contos e Crônicas da FAFIP (Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras de Piraju) com o conto Sade do Sertão. Atualmente, revisa
os originais de seu livro de contos ainda inédito “Freak Show”. Mora em Piraju onde eventualmente contribui com a imprensa local.