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RETALHOS DE CETIM por CARLINHOS BARREIROS – especial

Postado à, 418 dias atrás | 8 minutos de leitura

RETALHOS DE CETIM  por CARLINHOS BARREIROS – especial
Quando Piraju tinha cinco escolas de samba, eu e Dito Barone fomos dar uma assessoria para a sexta: A.U.M.A, da Vila Cantizani, com acento tônico no U: nada de ler como ALMA não. Iria ficar parecendo carnaval num centro espírita.
Rapaziada boa da vila, todos estourando de energia: Rodolfo, Edinho, João, Mauricinho, Mandura, Cátia... A escola acabou saindo por dois anos e encantou no primeiro, com “O Mundo Maravilhoso do Cinema” em que telão imenso cheio de luzes era o abre-alas. Recentemente – ao que me parece – tentou um revival como bloco: não sei nada dos resultados.
Quando Piraju tinha seis escolas de samba então, a lembrar: J A (Juventude Alegre), Bairro Alto (Leão do Morro), Estação Primeira da Vila Tibiriçá, Príncipe Negro (Vila São José), Mestre Crispim e a nossa, recém criada, os desfiles aconteciam em duas noites, sábado e domingo, com as campeãs se apresentando na terça feira. A disputa era dura e a vitoriosa escolhida por um júri que só tinha gente fina e estilosa nele, além de competentes: Selminha Tucunduva, Wanda Padilha, Margarida Orcesi Pedro, Ruth Carvalho Barreiros, Maria Tereza Anibal Caramaschi, Mestre Dickinson... Selminha, por exemplo, no ano em que usou aquele top de lantejoulas douradas brilhou mais que todas as escolas juntas! 
No imaginário popular da avenida, o famigerado “povão”, o júri sempre favorecia a J A, já que seus membros costumavam ser da high society e o resto das escolas era composta de pobres. Tinha pobre no júri¿ Ah, nem me lembro. Acho que não. E a J A era a escola dos “riquinhos”, não se esqueçam. 
Riquinhos ou não, sabiam fazer um carnaval do barulho. Sua bateria, perfeita e uníssona, nunca foi igualada. O carnaval pirajuense deve à J A o mérito de ter sido a primeira escola a usar alegorias imensas, que às vezes ficavam até entaladas na avenida, devido ao seu gigantismo. Com alas luxuosas, grandes e belas, a J A fez história: para completar, a escola ainda cantava seu samba-enredo! Todas as alas e até a comissão de frente cantava! Estou dizendo isso porque as outras escolas não cantavam, nenhuma delas, da Estação à A. U. M. A, passando pelo Bairro Alto ou Príncipe Negro. Alguém filosofou depois, numa reunião de  jurados, que por sua baixa condição de vida e complexos de inferioridade latentes, seus integrantes teriam vergonha de abrir a boca em público e cantar. Resumindo: os ricos cantavam numa boa e os pobres não, de vergonha. Será¿ Acho que até faz sentido. Complexo de vira-lata. O Bairro Alto, por exemplo, demorou anos para fazer-se ouvir. Nem o leão, símbolo da escola, rugia. 
A pretensa rivalidade na avenida entre Juventude Alegre e Bairro Alto era, sinto dizer, verdadeira. Não que a Joceley Medalha e a Tânia Guerra (porta-bandeiras de uma e de outra) fossem se engalfinhar em pleno desfile, o que seria até muito divertido. Ou que Mestre Tufi (bateria da JA) fosse dar um sossega-leão no Mestre Marquinho, coitado (bateria do Bairro). A coisa era bem mais sutil. Passaram-se muitos anos até que o Leão do Morro conseguisse chegar ao mesmo nível da Juventude. Devem ter suspirado de alívio quando supostamente atingiram esse patamar. Se bem que os três primeiros desfiles do B A foram históricos: “Maravilhas do Mundo Infantil”, com sua casinha João & Maria feita de bolachas; “O Incrível Mundo do Circo”, com o atirador de facas e a mocinha na roda e o globo de ferro com a moto dentro e “Maravilhas da Atlântida”. Eu sei. Sei de tudo isso porque eu estava lá. Escrevi e musiquei alguns desses sambas-enredos. Sempre fui Bairro Alto. Afinal, morei mais de 30 anos lá. Só não estava presente quando Tunhé, Sirley, Taio, Janete, Peixinho e Vivi lançaram a “pedra fundamental” do Leão. Mas no resto sempre estive presente e vibrei quando o Leão começou a ganhar carnavais, um após o outro. Bye, bye Juventude Alegre: na decadência dos “riquinhos”, a revolução finalmente chegou!
No começo dos Anos 2000, o prefeito de Piraju, eleito pela igreja católica local, suspendeu os desfiles por dois anos em seguida, sabe-se lá porque. A igreja católica sempre abominou o carnaval, já que diversão, prazer, gays e mulheres seminuas é tudo que ela sempre demonizou. Quando o evento retornou, sem júri e sem premiação, fez-se o fiasco que permanece até hoje. Puff! As escolas foram morrendo uma a uma e o que temos hoje é uma infeliz paródia dos Anos Gloriosos. Vi a programação do Carnaval da Estância deste ano: muito obrigado, mas prefiro ficar na NETFLIX. 
- Alguns flashes históricos do carnaval de rua pirajuense: Peixinho na fantasia de “Suta, o Príncipe da Atlântida” – Rono atado e preso no carrinho alegórico depois do desfile na avenida pois a J A “esqueceu” de resgatá-lo – Adriana Cury, fantástica na sua fantasia cravejada de negro “O Beijo da Mulher Aranha” – Royce do Cavaco (por onde anda¿) puxando os sambas-enredos da Juventude – A multidão, coitada, esperando horas intermináveis entre o desfile de uma escola e outra – Elianinha Pereira conduzindo a ala infantil da Juventude Alegre – O artista plástico e escritor João Reymão dedicando todo seu glamour e savoir-faire à glória da Estação Primeira, a escola da Baiana -  Vera Kuhn e Arlette Rocha, J A: professoras e boas de samba - Peixinho novamente, vaiado e alvo de latinhas na avenida, quando trocou o Bairro Alto pela J A - Os políticos, aspones e puxa-sacos no palanque, figuras gotescas achando que estavam acima da Folia.... Tudo retalhos de cetim, que o Tempo já transformou em memórias...