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Memórias do Casarão, por Carlinhos Barreiros ( parte 1)

Postado à, 349 dias atrás | 8 minutos de leitura

Memórias do Casarão, por Carlinhos Barreiros ( parte 1)
 
Quando os Maluly chegaram em Piraju em 1954 foram morar na casa que tinham comprado, na esquina da praça e que havia pertencido ao empresário João Costa, que lá residira. Na época, Costa tinha um posto de gasolina onde hoje é a galeria da Aldinorah Pires e que depois se tornaria, por décadas, o mítico Cine Jardim, de 900 lugares. 
Issa, Julieta, Jorge, Lurdes, Sumaya, Hamilton, Lúcia e Grevy instalaram-se então na bela vivenda, famosa desde aquela época por ter sido o casarão onde morou o general Ataliba Leonel, que dá nome à principal praça da cidade (com direito a busto de bronze) e meio que herói no imaginário popular do Estado. Os Leonéis, então, desde aquelas priscas eras, configuram-se como uma das famílias tradicionais de Piraju, com descendentes vivendo por aqui até hoje. 
Voltemos aos Maluly, proprietários da Fazenda Liberdade em Sarutaiá e - se não me falha a memória - uma outra (não lembro onde) de dimensões menores que a já citada, ambas cultivando café. O casal instalou-se no quarto ao lado do hall, aquele com o belíssimo painel-vidraça confeccionado com peças de vidro colorido que filtravam a luz do sol; os meninos ficaram com o quarto menor, adjacente ao terraço e as meninas com o maior, ambos dando vistas para a praça, com suas janelas-venezianas. A sala principal, imensa, de pé alto, com seu lustre, abrigaria tranquila uma multidão. Copa, cozinha, banheiro e uma saleta na entrada da casa completavam a planta, pequena para os padrões atuais mas dentro dos moldes de casarões nesse estilo da época. Um grande quintal com árvores, garagem e dependências de empregados completava o desenho da residência.    
Foi nesse cenário que ingressei, ainda mocinho, quase criança, quando me tornei amigo dos dois irmãos Maluly, colegas no Nhonhô Braga, onde estudávamos todos: Grevy era meu colega de classe, Hamilton, mais velho, estava dois anos à frente e Jorge, por sua vez, já cursava a faculdade de Agronomia em Ribeirão Preto, sendo visto raramente. Lurdes, das moças a mais velha, também cursava Letras em São Paulo, de onde saiu formada, algum tempo depois, apta para lecionar. Sumaya, salvo engano, fazia o Magistério, haja visto que anos depois partilhamos a mesma condução coletiva, naquele tempo que todo professor começava a carreira dando aula no sítio. 
À época, era comum ver o pai da dona da casa: Julieta Simão Maluly - um senhorzinho velhinho de bengala - sentado no terraço do casarão, tomando os ares e aproveitando a bela vista do jardim. Me lembro de ter tirado muitos dedos de prosa com o simpático avozinho, lúcido e esperto ainda, mesmo em sua idade avançada. Minhas afinidades – apesar da diferença de idades de quatro anos – sempre estiveram mais direcionadas ao Hamilton, haja visto nossos interesses comuns na época: o Cinema. Eu tinha um álbum de fotos (tiradas de revistas) da minha atriz preferida, Sophia Loren e Hamilton tinha outro, da atriz preferida dele, Elizabeth Taylor. Nessa disputa de fãs exacerbados, era uma briga para ver qual álbum ficava mais grosso ou quem conseguia a foto mais nova das estrelas!
Perto, ao lado do então Bar Continental ( famoso por seu sorvete de massa de coco queimado) morava o Rolando Blanco, filho de Pio e Marina Blanco - esta gerente da então Caixa Econômica Estadual, na esquina logo abaixo. Rolando morava com os pais e o irmão Rony naquele belo palacete que está igualzinho até hoje e onde um dia funcionou a casa noturna e pizzaria Blue Moon. Ele também era fã de cinema e um dia construímos, os três: eu, ele e o Hamilton um cineminha caseiro e fuleiro: recortamos um quadrado numa caixa de papelão (seria a tela), cortamos e colamos cenas de filmes tiradas de revistas em uma faixa comprida de papel, enrolamos tudo numa bobina (acho que era um carretel), adicionamos uma manivela tosca de arame e enquanto um bancava o “operador de máquina” os outros dois formavam a plateia. Víamos o mesmo “filme” até enjoar, ocasião em que partíamos novamente, de tesoura em punho e revistas e gibis à mão, para formatar a Nova Estreia da Semana. Por vergonha da precariedade da coisa, nunca convidamos ninguém para as sessões, mas uns moleques enxeridos que ouviram falar da novidade viviam rondando a garagem do Rolando, onde as sessões aconteciam, loucos para conferir. Nunca entraram e o nosso Cinema Paradiso prosseguiu particular, até a gente enjoar da brincadeira. 
Lendas, histórias e superstições sussurradas na calada da noite cercavam os muitos porões da casa dos Maluly. Dizia-se, à meia boca, que lá, bem no fundo, no último porão, estariam enterrados os ossos dos escravos e índios que Ataliba Leonel teria dado fim em sua longa vida de caudilho e miliciano. Eu e Hamilton, tais quais êmulos de Hercule Poirot ou Sherlock Holmes fomos investigar esses murmúrios, para conferir se era tudo verdade ou se era tudo papagaiada. Mas isso já é assunto para a segunda parte de Memórias do Casarão. A conferir.   
 
O autor:  é escritor e jornalista colaborador de várias plataformas digitais.  Escreveu o livro “Insânia, o lado escuro da Lua”  e prepara uma nova obra para breve.  Já venceu concurso de contos e foi colaborador dos jornais Folha de Piraju, Observador e Jornal da Cidade. Continua colaborando de forma especial com a Folha de Piraju. É colaborador regular do blog  Farol Notícias de Itaí. Também escreve para  um projeto do Jornal da USP