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Denis de Oliveira Cavalheiro: Nosso "Piraju" em Fernando de Noronha

Postado à, 1267 dias atrás | 15 minutos de leitura

Denis de Oliveira Cavalheiro: Nosso
Hoje vamos entrevistar Denis Oliveira Cavalheiro. Quando lembro dele, menino do rio. Sorriso franco, cheio de amigos, lembro-me de bichos e paisagens, sabe aquele jovem com cara de aventura. Ai meu filho mais velho, o Alessandro me disse: o Denis foi para o nordeste. 
Alguns dias antes, eu tinha um fusca e entregava jornal e ele e o Alessandro foram comigo. O Denis me disse que queria realizar esse sonho de entregar jornal pelo menos um dia na vida.
No fim, embora sendo daqueles jovens que queriam muito ficar por aqui, os sonhos foram crescendo e percebeu que era preciso sair num segundo tempo para crescer não apenas profissionalmente, mas para se realizar como pessoa. Como um jovem me disse estes dias "Piraju é bom até a página 2. As pessoas querem muito ficar aqui, mas aqui não se resume os nossos sonhos".
Folha- Como foi sua trajetória Denis?
 
Denis- Sai de Piraju aos 17 anos pra morar em Bauru/SP, estudando em cursinho Universitário. Mas abandonei a possibilidade de ingressar de imediato na faculdade pra morar em  batuba/SP e trabalhar em um Resort Ecológico na praia da Enseada. A paixão pelo mar de fato se deu após conhecer boa parte das mais de 80 praias paradísicas do local. Depois fui pra Santos, estudar Biologia Marinha, mas tive que trabalhar e estudar, isso não deu certo, minha atuação no terceiro-setor não dava retorno financeiro, dai abandonei a faculdade pra trabalhar no Porto de Santos.
Foi aí que senti a necessidade dos estudos acadêmicos e o sonho da formação profissional na área ambiental, quando me mudei pra Mossoró, através do SISU ingressei na Universidade Federal Rural do Semiárido  onde me formei no bacharelado em Ecologia, que me deu todo aporte técnico pra chegar à Ilha de Fernando de Noronha. 
Folha de Piraju- E como foi morar no continente, mas fora do continente fazendo o que gosta. Seus amigos não te dizem: uau nossa que vidão !?
Denis- Em Noronha trabalho para uma Concessionária do Parque Nacional Marinho chamada ECONORONHA.Empresa que pertence ao Grupo Cataratas, que também faz a gestão do Parque Nacional do Iguaçu, em ambos os parques foram feitas uma PPP (Parceria Pública Privada) que aumenta a eficiência do atendimento aos visitantes nos Parques.Lá sou Coordenador do Monitores de Trilhas - Guardas-parque. A rotina de trabalho era dar conta de uma visitação de mais de 100 mil visitantes ao ano (ano de 2019), quando cheguei em Noronha em 2017 o Parque recebia em torno de 80 mil visitantes ao ano. As demandas de atender o público e manter o monitoramento das trilhas não é fácil. Somos preparados a identificar espécies da fauna e flora, até fazer o primeiro atendimento de socorristas. A atuação de guarda-parque é muito ampla, somos o cara de entrada do Parque Nacional.
Morar em Noronha é difícil de explicar, 3 anos parecem 10 anos, mas quem nasce em Piraju e sempre entrou em contato com a natureza da cidade, não sofre um impacto emocional tão grande, mas estar em Noronha é chocante, tanto no aspecto da riqueza das espécies marinhas, como da cultura histórica da Ilha. A maioria dos amigos só pensam e falam uma coisa, querem me vistar de qualquer jeito.
Folha de Piraju- Você sempre foi um ser humano muito forte, arrojado, com uma visão humanista do meio ambiente, do mundo, dos outros seres humanos. Morar em Fernando de Noronha fez você melhorar ainda mais esse seu humanismo, essa sua espontaneidade de estar sempre ligado, conectado com a natureza e o próximo ? E a quem credita essa linha de visão da vida ?
Denis- Sobre a área ambiental no pais, é difícil resumir tudo aqui, mas é uma área que ainda não tem seu devido valor pelo próprio brasileiro, nossa sociedade julga as profissões alternativas a engenharia, direito, medicina, odontologia, agronomia e arquitetura, como profissões que não dão um rendimento financeiro e profissional relevante.
Por isso geralmente temos que nos apoiar na pesquisa cientifica, no terceiro-setor ou no setor público e privado, sendo nosso dia a dia uma jornada árdua e sacrificante para uma ascensão profissional.
Quando a visão humanista primeiro a base familiar é tudo, a educação que vem de casa é fundamental pra encarar o mundo e entender suas necessidades. Minha mãe por ser negra, sempre passou por preconceitos na cidade, cresci vivenciando isso com meus amigos, então soube discernir que teria que expandir minha mente frente os preconceitos que a sociedade nos impõem, dai aprendi a humildade. O amor a natureza está ligado mais ao meu pai, amante do Pantanal brasileiro, pude com ele aumentar minha percepção do rio com a terra, com o cultivar a terra, ou seja, me ensinou a lida com a terra e o que ela pode nos oferecer. Meu pai e minha mãe, sem dúvidas. Mas isso ligado a toda minha familia, por parte de mãe minha raiz negra e indígena, meu avô negro é Alagoano de Água Branca/AL, minha vó índia Caeté é Baiana de Caculé/BA. Por parte de pai, minha origem vem de Sarutaiá, minha infância está diretamente ligado ao Sitio Conceição do Pinhal que era de propriedade de meu vó Isaltino Cavalheiro (o Fio) e de minha vó Vilma Barbosa, convivi muitos com eles, minha vida rural foi intensa.
 
Folha de Piraju- Uma história que a gente vê que está mudando. Vc acredita que o Brasil está  caminhando de baixo pra cima nessa mudança de cultura de ver o meio ambiente o o ser humano com outros olhos ?
Acredito que o Brasil sempre foi e será uma referencia natural pro Mundo, temos o maior reservatório de água do Planeta dentro do nosso território, umas das maiores biodiversidade do mundo, a maior área agricultável do mundo. O Brasil precisa se enxergar assim, como hegemônico no planeta, temos o espirito de colonizados e não conseguimos ainda nos livrar do colonizadores, eles são mutantes e ganham novas formas.
 
Folha de Piraju- E Piraju como fica isso no seu coração, tão longe e o que vês de perspectivas pra nós que ficamos aqui e as futuras gerações.E o Covid 19 ao que atribui ?
Denis- Olha, indico uma boa leitura sobre o tema, o livro Armas, Germes e Aço, de Jared Diamond, ainda não terminei, mas vem esclarecendo esse histórico de pandemias nas sociedades. Mas é fato que os patógenos são oriundos em grande parte de espécies silvestres, por meio do contato gerado pela "Devastação Ambiental" e "Trafico de Animais", assim propagando as doenças infecciosas.
Folha de Piraju- Você acha que esta vai longe Denis ?
Denis- Meu rumo hoje aponta diretamente pra Ilha e meus desafios por lá, mas Piraju é meu segundo norte profissional, quero contribuir pra preservação, conservação e restauração das nossas riquezas naturais e arqueológicas. Somos parte do Aquífero Guarani, mundialmente conhecido, nossas águas são reservas não só para município, mas pro estado. O estado deve ter um olhar diferenciado pro nosso município, temos aptidão pro Ecoturismo, precisamos que Piraju siga alguns protocolos do desenvolvimento turístico, capacitação profissional (ex. formação de guias turismo), incentivo fiscal para o empreendedor, divulgação publicitária e melhorar a comunicação interna e externa. Enfim,  fora tudo isso, temos que continuar na luta por proteger nossas APP (Áreas de Proteção Ambiental), que é a forma legal de preservar nosso rio.
Para o turismo na Ilha de Fernando de Noranha re-aquecer e voltar a antiga intensidade, a vacina é a unica solução. Isso vai valer pra muitos muitos outros locais que vivem do turismo. Mas no interior, no caso de Piraju, temos uma área enorme pra explorar, atrativos e locais que não ocorrem aglomerações, por isso, Piraju pode aproveitar essa oportunidade, mesmo sem a vacina o turismo pode funcionar, um turismo ligado a natureza, temos que dar o suporte ao trade turístico, pra atender todas as recomendações do ministério da saúde, viabilizando esse novo cenário pra cidade, sou mais otimista a curto prazo com Piraju do que Noronha, basta fazermos política, nada se constrói sem política.
Folha de Piraju- Denis deixa uma mensagem aqui pra gente.
Denis- Para as futuras gerações de pirajuenses. Minha mensagem é que sigamos nossos instintos, temos que rebuscar nossa ancestralidade, nos reconectar com a natureza, nos somos parte dela, uma pequena parte, que vem criando demandas por recursos pro planeta ainda incalculável pelos pesquisadores. Por isso, nós que somos de origem caipira, distante dos grande centros urbanos, somos mais sensíveis a essa questão, gostamos do silencio, do cantar dos passarinhos, de uma alimentação nutritiva e do contato com o Rio. Essa é a mensagem, desfrutar mais do nosso rio, ele nos ensina dia dia, ele mostra sua força diariamente rumo ao oceano, sabemos que a água que corre em nossos olhos ao mirar o rio, vai desaguar no Rio da Prata, na divisa do Uruguai com Argentina. O maior ensinamento é esse, a liberdade, não ter medo do que sonhamos e aonde iremos chegar.
Quanto ao Meio Ambiente, nosso maior problema ambiental (local e global) é a destruição de nossos recursos naturais e da cultura ligada a ele, o pensamento antropocêntrico, que podemos controlar a natureza e explora-la como bem entendemos está equivocada, o maior exemplo pra região é a constante especulação de novas Usinas Hidrelétricas. Temos que cessar essa ânsia de falso desenvolvimento. nossa real riqueza esta nas florestas de pé, na riqueza dos nossos alimentos, nos nossos rios serpenteando naturalmente, nos nossos litorais, mares e oceanos respeitados. Mas a mentalidade de todos os governantes estão longe de estabelecer essa cosmo visão, de potencializar politicamente esse tesouro que temos em mãos (fomentar a ciência, a criação de unidades de conservação enfim. Gostaria de agradecer a minha mãe, deixar meu agradecimento por sua coragem e por sempre me apoiar nas minha decisões mais difíceis.
 
Protocolos 
Para vir a Piraju em julho quando nos concedeu a entrevista ele fez o teste do covid 5 dias antes do embarque, apresentou-o na hora da compra da passagem, chegando em Noronha ficou 14 dias em quarentena independente do resultado e após cumpri-la fez outro teste, e somente ai pode retomar suas atividades profissionais. E antes de vir pra cá também cumpriu todos esses protocolos. Aqui para lembrar naquele período em Noronha só moradores e servidores públicos estavam entrando na ilha, em um voo semanal aos sábados.
 
A NOSSO PEDIDO Denis faz uma lista de livros pontuais para aqueles que são ligados no meio ambiente:
- A teia da Vida - Fritjof Capra
- A vida Secreta das Arvores - Peter Wohlleben
- A História Antiga do Brasil - Ludwig Schwennhagem
- Fluxo e Refluxo - Pierre Verger
- Arqueologia da Violência - Pierre Clastres 
- Ideias pra Adiar o fim do mundo - Ailton Krenak
- Diversidade da Vida - Edward o. Wilson