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Lovely Rita, por Carlinhos Barreiros

Postado à, 349 dias atrás | 10 minutos de leitura

Lovely Rita, por Carlinhos Barreiros
- No texto de Carlinhos Barreiros cada citação em itálico o link  direcionado para a  música citada ou banda. 
 
 
Debochada, Rita Lee sempre afirmou que Lennon & McCartney não compuseram “Lovely Rita” em 
homenagem a ela. Claro que não. Nenhum dos Beatles nunca sequer ouviu falar de Rita Lee. E ela sabia disso. A música está no lado B de “Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band”, de 1967, que muita gente boa considera o álbum mais importante da história do pop-rock mundial. 
Bem, os Beatles nunca souberam quem era Rita Lee mas ela sabia tudo sobre os quatro cabeludos de Liverpool: beatlemaníaca fanática, chegou a fazer plantão na porta do Abbey Road, o mítico estúdio onde os Beatles gravavam, em Londres, nos loucos Anos 60. 
Sim, Ritinha também já foi roadie. Cinquenta anos depois, em 2001, já estrela de grande sucesso gravou um disco com o repertório inteiro só com versões de algumas canções de Lennon & McCartney, o delicioso “Aqui, Ali, Em Qualquer Lugar”, vertido do clássico romântico “Here, There and Everywhere”, do álbum dos Beatles “Revolver”, de 1965. 
Conheci Rita Lee quando morei em São Paulo. O pai dela, o dentista, tinha consultório na mesma rua da pensão onde eu morava: rua Joaquim Távora, na Vila Mariana. 
Era só atravessar as ruas Vergueiro e Domingo de Moraes e andar um pouco: o casarão do dentista era logo ali, bem em frente uma padaria. Na época, Rita ainda fazia parte dos Mutantes e era casada com Arnaldo Baptista, criador e mentor do trio.
A primeira vez que a abordei me entoquei num vão da padaria fechada, de noite, e fiquei esperando: já tinha feito isso um bom par de vezes sem sucesso. Mas fui recompensado: Rita chegou num fusca com Arnaldo, que se adiantou para abrir o portão. Aproveitei a dica e gritei “Rita!” ao que ela se virou e me encarou, meio pasma e com razão. Apresentei-me como fã, disse que morava por ali e pedi-lhe, claro, um autógrafo. Bem humorada, Rita tirou um papel amarfanhado da bolsa a tiracolo, alisou-o e ali rascunhou um “Com amor, Rita” sem nem mesmo perguntar meu nome. Agradeci e fiquei espiando, enquanto ela adentrava a residência dos pais atrás do outro Mutante.
A segunda vez, cerca de um ano depois, obedeceu a mesma estratégia, mas dessa vez Rita chegou sozinha e de táxi: não estava mais vivendo com Arnaldo Baptista
Depois que ela pagou o táxi, novamente gritei “Rita!” e me aproximei. Ela virou a cabeça, me olhou bem, estreitou os olhos verdes e disparou um “Você do novo?” e eu, em vez de ficar alarmado, fiquei supercontente de ela ter se lembrado da minha cara. 
Achei que Rita estava puta da vida, mas ela me sorriu e dessa vez perguntou meu nome, que incluiu na nova dedicatória do segundo autógrafo. Fiquei, pela segunda vez, olhando ela entrar mas ela então fez algo surpreendente: virou-se no pórtico, à entrada, e me deu tchauzinho, com um sorrisinho sacana nos lábios. Lovely Rita. 
Rita era legal nos Mutantes, tocando aqueles instrumentos engraçados. Mas os irmãos, ingratos, a mandaram embora da banda alegando que ela não estava qualificada a acompanhar o “novo tipo de som” que eles iam começar a tocar: rock progressivo, tipo Pink Floyd, Yes ou Emerson, Lake and Palmer. Amargando o fora por muitas décadas, Rita vingou-se quando lançou sua biografia em 2016 e contou para todo mundo que seu então cunhado à época, Sérgio Dias, não escovava os dentes e tinha a boca fedorenta. 
O ex-marido da cantora foi poupado de revelações do mesmo teor, de caráter vexatório, decerto porque já andava meio sequelado depois que caiu de um telhado sob o efeito de drogas. Sua melhor fase foi quando formou o Tutti Frutti (Rita Lee & Tutti Frutti) e lançaram quatro álbuns geniais de rock´n´roll na veia, cheios de clássicos que nunca foram igualados, tipo o hino “mamãe vou sair da casa” OVELHA NEGRA, a stoneana “Jardins da Babilônia” e o divertido “Esse Tal de Roquenrou”,  pérolas. 
 
Ao longo dos anos, já consagrada como Grande Estrela, iria lançar outras canções importantes que caíram no gosto do povão e se imortalizaram: sempre irreverente, Rita debochou da MPB nacional e seus ídolos nos atrevidos “Arrombou a Festa 1 e 2”, tirou sarro dos concursos de misses em “Miss Brasil 2000”, foi mordaz ao comentar o modus vivendi dos novos ricos no ótimo “Novícias do Vício”, antecipou a moda das academias e puxar ferro em “Saúde”, lembrou os loucos Anos 50 e os grandes astros de Hollywood no roquinho “Flagra” (no escurinho do cinema) e ainda achou tempo de mergulhar: numa banheira em “Banho de Espuma” e no oceano, na longa e climática “Atlântida”, com seus mitos e lendas e aquele solo de guitarra maravilhoso. Bebeu whisky em “On The Rocks”, foi mística em “Reza”, chutou o balde e a condição humana em “Vidinha” (de merda) e ainda, sábia e experiente, concluiu que no fim “Tudo Vira Bosta” na composição de Moacyr Franco que ela elevou à categoria de sucesso. Quer dizer, Ritinha era tudo isso e mais alguma coisa, embalada em “Cor de Rosa Choque”. 
Em 1982 Rita Lee conheceu o guitarrista Roberto de Carvalho, apaixonou-se perdidamente, deixou de lado (um pouco) o rock e passou a cantar boleros. Gravou o álbum “Mania de Você” que vendeu 1 milhão de cópias, ficou rica e nem ligou quando parte da crítica a acusou de “traidora” por abandonar o rock por amor: vivia falando de sexo, tipo “me deixa de 4 no ato me enche de amor” (Lança – Perfume) ou “meu bem você me dá água na boca” (Mania de Você) entoando em alto e bom som que bom mesmo é “rolar, rolar, rolar com você”. Em “Pega Rapaz” declarou que tinha tudo a ver o xaxim dela com a trepadeira do Roberto e em “Baila Comigo”, mesmo sem ser yanomame, afirmou que queria ser índio e morrer bem velha.
Os Beatles não sabem o que perderam deixando de conhecê-la. 
 
O autor deste texto sobre Rita Lee, Carlinhos Barreiros:  é escritor e jornalista colaborador de várias plataformas digitais.  Escreveu o livro “Insânia, o lado escuro da Lua”  
e prepara uma nova obra para breve.  Já venceu concurso de contos e foi colaborador dos jornais Folha de Piraju, Observador e Jornal da Cidade. Continua colaborando de forma especial com a Folha de Piraju. É colaborador regular do blog  Farol Notícias de Itaí. Também escreve para  um projeto do Jornal da USP.
Observação- No link  de Esse Tal de Rock in Roll,  optamos pela gravação para um especial da MTV de 2010 em que Rita canta   com Pitty numa performance genial a música de seu álbum de 1975.