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Voltar Mineira, guerreira, filha de Ogum com Iansã, por Luiz Rocha

19/AGO - 19
AGO
Mineira, guerreira, filha de Ogum com Iansã, por Luiz Rocha

Mineira, guerreira, filha de Ogum com Iansã
 
As três descrições que nomeiam este artigo podem ser utilizados para se referir a Clara Nunes, uma das maiores artistas nascidas em terras tupiniquins. Africanidade e  brasilidade foram cantadas de forma ímpar por essa intérprete que infelizmente nos deixou cedo demais, mas que eternizou grandes canções, mostrando para o mundo a beleza da diversidade cultural do nosso país.
 
Nascida no interior de Minas Gerais, Clara já era orfã de pais aos 12 anos, e acabou criada pelos irmãos. Na infância, cantava em corais na igreja católica e ouvia grandes cantoras brasileiras, como Ângela Maria, Dalva de Oliveira e Elizeth Cardoso, já manifestando o gosto pela música. Mudou-se para Belo Horizonte aos quinze anos, afastando-se do catolicismo e convertendo-se ao kardecismo. Na capital, Clara teve mais oportunidades de mostrar seu talento, cantando em clubes, boates e rádios. 
 
Em 1965, Clara muda-se para a cidade do Rio de Janeiro, onde pela primeira vez conhece o mar, e entra em contato com religiões afro-brasileiras, que viriam a inspirar o trabalho da artista a partir de então. Após elogiadas apresentações em programas de televisão, Clara lança seu primeiro LP, pela gravadora Odeon, com um repertório de boleros e canções românticas. O disco não obteve sucesso comercial, mas a gravadora manteve Clara em seu quadro de artistas. Em 1968, lança "Você passa eu acho graça", seu primeiro disco de samba. Começa a frequentar os ensaios da Portela, e logo se torna um dos grandes nomes da azul e branco de Madureira. Passa a estudar a cultura brasileira, tornando-se uma grande conhecedora de manifestações folclóricas do nosso país, e chegando a cantar frevos e forrós em suas apresentações.
 
Na década de 70, Clara firmou-se como intérprete de sambas. Passou a apresentar-se vestida de branco, com turbante e com os cabelos tingidos de vermelho, sempre com um sorriso no rosto. Gravou canções de compositores renomados, como Chico Buarque, João Nogueira e Paulinho da Viola. Faleceu em 1983, devido à complicações após uma cirurgia. Mais de 50 mil pessoas acompanharam o velório da cantora na quadra da Portela. No ano seguinte, Clara Nunes foi enredo da Portela no desfile que ficou marcado por ser o primeiro realizado na Passarela Professor Darcy Ribeiro (Sambódromo da Marquês de Sapucaí). Em 2019, a escola de samba homenageia a artista mais uma vez, com o enredo "Na Madureira Moderníssima, hei sempre de ouvir cantar uma sabiá".
 
Trinta e sete anos se passaram após a morte de Clara Nunes, mas sua voz ainda ecoa pelos alto-falantes dos amantes do samba. Poucos artistas representam tão bem a heterogeneidade da cultura brasileira, que é fruto de quinhentos anos de fusão de elementos indígenas, europeus e africanos. Apesar disso, terreiros são queimados e seguidores de religiões afro-brasileiras são alvo de violência e intolerância. São poucos os esforços para que manifestações folclóricas sejam conservadas e, as poucos, elas estão desaparecendo. Conviver com diferentes culturas nos torna mais empáticos e amplia nossa visão de mundo. Essa é uma das lições que podemos aprender com Clara Nunes. Por mais que a padronização da cultura seja uma das consequências da globalização, é importante preservar e valorizar a identidade cultural, seja de uma aldeia, de um estado ou de um país.